Acidente Vascular Cerebral (AVC) é definido como uma perda súbita da função cerebral causada por uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral.

Pode ocorrer em todos os estágios da vida, mas a apresentação, fisiopatologia e outras perspectivas clínicas são variáveis dependendo da idade do paciente. Enquanto muitos esforços e importantes ensaios clínicos têm sido realizados para aumentar o conhecimento sobre o AVC em adultos, o AVC pediátrico continua subdiagnosticado, apesar de importante causa de incapacidade permanente. A incidência estimada de AVC na infância é de 1-6 a cada 100.000 crianças por ano. Taxas de AVC perinatal (até 28 dias após o nascimento) são mais elevadas, ocorrendo em pelo menos 1 a cada 3500 nascidos vivos.
Com o objetivo de orientar médicos e profissionais de saúde e dar continuidade na conscientização em diagnósticos do AVC em recém-nascido, lactentes, crianças e adolescentes, revisaremos os fatores de risco, fisiopatologia, diagnóstico, tratamento, reabilitação e as informações necessárias sobre os acidentes vasculares cerebrais em pediatria.

Fatores de Risco para AVC pediátrico

Fatores de risco para o AVC pediátrico são diferentes quando comparados com a população adulta. Fatores de risco em adultos são relacionados a arritmias, arteriopatias ateroescleróticas obstrutivas e status socioeconômico, características raramente encontradas em crianças.
Em muitos estudos, como o “International Paediatric Stroke Study (IPSS)”, uma ampla gama de fatores sistêmicos subjacentes foram relacionados ao AVC na infância, dentre eles: doença falciforme, anomalias cardíacas, trauma e infecções como meningite, sepse e encefalite.

Arteriopatias

Com os avanços na neuroimagem, a arteriopatia é o mecanismo subjacente predominante, sendo responsável por até 53% dos AVCs pediátricos. Além disso, representa o maior preditor de recorrência, enfatizando seu papel como alvo de tratamento para prevenção secundária do AVC.
A arteriopatia mais comumente estabelecida em AVC pediátrico é uma arteriopatia intracraniana adquirida unilateral associada à isquemia dos gânglios da base, caracteristicamente envolvendo a junção da artéria carótida interna distal, a artéria cerebral média (ACM) proximal e a artéria cerebral anterior (ACA) proximal. Esta condição é denominada arteriopatia cerebral transitória (ACT) e caracterizada pelo tempo de instalação, por localização unilateral, e pela ausência de progressão a longo prazo. Na imagem tradicional inicial, o ACT pode não ser distinguível de uma arteriopatia progressiva, como a doença de Moyamoya ou de uma vasculite que se apresenta unilateralmente, com curso e prognóstico diferentes. A distinção entre ACT e arteriopatia progressiva pode exigir avaliação radiológica adicional, tais como angioressonância e arteriografia, e, em geral, sua piora após 6 meses ou um envolvimento bilateral sugere uma arteriopatia diferente do ACT.
Os mecanismos subjacentes para estas arteriopatias unilaterais monofásicas são pouco compreendidos, mas atualmente o possível papel de infecção é a hipótese mais plausível. O estudo “Effects of infection in Pediatric Stroke (VIPS)” demonstrou que crianças com pouca ou nenhuma vacinação de rotina estavam em maior risco de AVC do que aqueles que receberam vacinação, sugerindo que uma freqüência mais alta de doenças pode aumentar a incidência de AVC e que a sua prevenção com vacinas pode também prevenir o AVC em pacientes pediátricos.

Fatores genéticos e síndrome de Moyamoya

Arteriopatias geneticamente determinadas são reconhecidas como causa de AVC na infância. A lista continua a se expandir, incluindo mutações COL4A1, ACTA2 e pericentrina (MOPD2) e síndromes como Alagille e PHACE.
A síndrome mais estudada é a doença de Moyamoya, responsável por 6% dos AVCs infantis. É caracterizada por uma estenose ou oclusão progressiva geralmente bilateral dos ápices da carótida interna intracraniana, envolvendo as artérias cerebrais anterior e média. A doença de Moyamoya se relaciona ao gene RNF213 em uma porção substancial de pacientes japoneses e outras mutações do BRCC3 /MTCP1 e GUCY1A3 foram recentemente relatadas em síndromes mais complexas de Moyamoya.

Coagulopatia Hereditária e Trombofilia

Um ou mais estados pró-trombóticos foram identificados em 20 a 50% das crianças com AVC. As principais mutações associadas a estados pró-trombóticos são descritas no fator V Leiden, protrombina G20210A, metilenetetrahidrofolato redutase (MTHFR; C677 T e A1298 C), proteína C, proteína S, antitrombina e lipoproteína (a). A coagulopatia representa um fator de risco potencial para acidente vascular cerebral geralmente associadas a outros fatores, e não como um mecanismo causador independente. Assim, é razoável procurar estados pró-trombóticos mais comuns em pacientes com outro fator de risco de AVC identificado e em pacientes com história de AVC isquêmico ou trombótico (neste caso, contraceptivos podem ser descontinuados em adolescentes). Em caso de homocisteína sérica elevada, dieta específica ou suplementação com folato, vitamina B6 ou vitamina B12 pode ser considerada e, em geral, os pacientes com tendência pró-trombótica devem ser referidos a um hematologista.

Anemia Falciforme

Crianças com anemia falciforme representam outro grupo importante de pacientes com alto risco de arteriopatias e acidente vascular cerebral. Antes das modernas estratégias de prevenção primária, até 11% das crianças com anemia falciforme apresentavam um acidente vascular cerebral até os 20 anos de idade. Em 1992, o Doppler transcraniano mostrou eficácia na identificação de pacientes com a doença e com alto risco de acidente vascular cerebral. Atualmente, prevenção primária é possível através de transfusões de glóbulos vermelhos em pacientes com anemia falciforme e doppler transcraniano com alta velocidade. Essa abordagem diminuiu a prevalência de acidente vascular cerebral para 1%.

Doenças metabólicas

Os infartos metabólicos são raros mas importantes para a população pediátrica. O esgotamento de energia leva a lesões isquêmicas em distúrbios mitocondriais. Em distúrbios do ciclo da uréia, depósitos tóxicos levam à destruição do tecido cerebral. Por esse motivo, os infartos não ocorrem em território vascular específico (MELAS, por exemplo, mostra predileção por infartos occipitais). Outros problemas metabólicos, como a doença de Fabry leva a uma arteriopatia focal.

Doença cardíaca congênita e adquirida

A doença cardíaca ainda é reconhecida como um fator de risco presumido para AVC pediátrico. Lesões cardíacas congênitas complexas com shunt direita-esquerda e cianose são particularmente propensas a causar AVC, mas outras lesões congênitas cardíacas e ocasionalmente com distúrbios adquiridos do miocárdio ou válvulas cardíacas também são considerados fatores de risco.

Diagnóstico

O diagnóstico de AVC na infância não é simples e requer exames de neuroimagem considerados essenciais para confirmar a origem neurovascular dos sintomas. Muitos casos têm diagnóstico tardio ou até post-mortem devido a complexidade da apresentação. Um tempo médio de 25 horas entre a instalação dos sintomas e evidência radiológica de AVC tem sido observado e apenas um terço dos pacientes são diagnosticados em um intervalo de 6 horas. A apresentação clínica varia de acordo com a idade do paciente e da artéria envolvida. O AVC perinatal se apresenta com sinais mais generalizados como apneia, hipotonia, má alimentação, crises convulsivas e irritabilidade. Enquanto em crianças maiores, déficits neurológicos focais, como a hemiplegia, são os mais comuns e a artéria mais frequentemente acometida é a artéria cerebral média. Cefaleia pode estar presente em até 30% das crianças e crises convulsivas são descritas em 20 a 48% dos casos.

Neuroimagem

Diante de uma criança com sintomas neurológicos agudos com previsão de intervenção trombolítica ou neurovascular, ressonância magnética ou tomografia computadorizada de crânio, inicialmente sem contraste, devem ser realizados. A TC de crânio sem contraste é facilmente disponível em hospitais de urgência e pode excluir um AVC hemorrágico (que contraindica a terapia trombolítica) ou lesões com efeito de massa. Além disso, permite identificar trombose venosa e lesões hipodensas características do AVC isquêmico. Entretanto, a TC geralmente é normal nas primeiras 12 horas de instalação dos sintomas. A ressonância magnética continua sendo o padrão-ouro devido a alta sensibilidade e especificidade, mas está raramente disponível na fase hiperaguda em departamentos de emergência.

Tratamento

O principal objetivo do tratamento do AVC pediátrico é a proteção do cérebro em desenvolvimento, minimizando lesões cerebrais agudas e prevenindo déficits neurológicos. Como estudos pediátricos são escassos, não há tratamento baseado em evidências em AVCs pediátricos. Entretanto, alguns guidelines (CBP-2010, CHEST-2012, AHA-2008) são utilizados tanto para o AVC em adultos, como na população pediátrica. Em geral, esses guidelines recomendam terapia antitrombótica, desde que possíveis hemorragias sejam excluídas no diagnóstico. As indicações específicas de anticoagulação permanecem controversas. A maior parte dos guidelines recomenda tratamento com heparina não fracionada ou de baixo peso molecular, que pode ser iniciada na dose de 1 mg/Kg duas vezes ao dia. O risco de transformação hemorrágica do AVC deve ser considerado e individualizado com a ajuda de cardiologistas e neurologistas pediátricos. Mesmo na ausência de ensaios clínicos randomizados, a maior parte dos especialistas concorda com o uso da aspirina para a prevenção de um novo AVC em crianças que não apresentem alto risco de embolia recorrente ou estados de hipercoagulação. A duração do tratamento com aspirina é pouco definida, porém é sugerido na literatura um período mínimo de 2 anos. Heparina de baixo peso molecular ou Warfarin podem ser considerados para crianças com cardioembolia ou dissecção arterial extracraniana.
Além disso, o tratamento de condições específicas deve ser considerado – como avaliação multidisciplinar na anemia falciforme, tratamento das doenças metabólicas, revascularização cirúrgica na doença de Moyamoya, entre outros.
Devido à plasticidade cerebral em crianças, terapias de reabilitação trazem grandes benefícios, permitindo menor morbidade, melhor qualidade de vida e saúde emocional para a criança e seus familiares.


Referências Bibliográficas

Canadian Stroke Strategy. Canadian best practice recommendations for stroke care update 2010. http://www.strokebestpractices.ca/wp-content/ uploads/2011/04/2010BPR_ENG.pdf.
A Report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines, and the American Stroke Association, American Association of Neuroscience Nurses, American Association of Neurological Surgeons, American College of Radiology, American Society of Neuroradiology, Congress of Neurological Surgeons, Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Interventional Radiology, Society of NeuroInterventional Surgery, Society for Vascular Medicine, and Society for Vascular Surgery Developed in Collaboration With the American Academy of Neurology and Society of Cardiovascular Computed Tomography. Practice Guidelines 2011 ASA/ACCF/AHA/AANN/ AANS/ACR/ASNR/CNS/SAIP/SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVS Guideline on the Managementof Patients With Extracranial Carotid and Vertebral Artery Disease: Executive summary. Catheterization and Cardiovascular Interventions. 2013;81:E75–E123.
Monagle P, Chan AK, Goldenberg NA, and the American College of Chest Physicians, et al. Antithrombotic therapy in neonates and children: antithrombotic therapy and prevention of thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2012;141(suppl):e737S–801S.